Percebo que muitos tutores confiam cegamente em ferramentas de tecnologia sem verificar suas fontes ou levar em conta suas limitações. Enquanto a inteligência artificial (IA) avança na área da saúde, trazendo ferramentas inovadoras para diagnóstico e monitoramento, há um questionamento crucial: até que ponto pode-se confiar nessas tecnologias?
Apesar dos inegáveis avanços trazidos pela IA na saúde geral e cuidado animal, a tecnologia esconde perigos desconhecidos pela maioria. A IA pode diferenciar informações verdadeiras de falsas com certa eficácia, analisando padrões e fontes confiáveis, mas não é infalível – ela reproduz vieses dos dados de treinamento e pode ser enganada por pseudociência bem-escrita. A confiabilidade da IA depende crucialmente da qualidade dos dados que recebe e da forma como é instruída durante sua criação pelos especialistas e dos comandos utilizados pelo público em geral.
Somando a possibilidade de erro inerente a ferramenta à falta de educação e senso crítico da maioria da população brasileira no uso dessa tecnologia temos como resultado uma grande chance de não “dar bom”.
Vulnerabilidade e privacidade de dados também devem entrar na equação de problemas potenciais. Ataques cibernéticos a tecnologias da área da saúde podem trazer riscos diversos como adulteração de doses de medicamentos ou vazamento de dados sensíveis – como já aconteceu com registros de milhões de animais em um ataque a uma plataforma de telemedicina veterinária*. E não pense que a sua privacidade não é importante: seguradoras de saúde animal podem aumentar preços ou negar cobertura baseado em dados vazados, seu cão pode ser utilizado em experimentos sem o seu consentimento, sua segurança pode estar em risco em vazamentos de endereço, dados bancários, hábitos pessoais…
Nenhuma tecnologia pode substituir o atendimento HUMANO de um profissional experiente. Em primeiro lugar porque, em muitas situações, ainda estamos ganhando tecnicamente falando – por quanto tempo, não sei. Além disso, enquanto a IA processa dados, o veterinário: sabe exatamente que perguntas fazer para extrair dados relevantes no contexto individual de cada paciente; tem a capacidade de adequar sua comunicação para o mais fácil entendimento do tutor; realiza exames físico e neurológico, indispensáveis para a investigação de condições neurológicas; é capaz de detectar mudanças sutis no comportamento ou estado geral que podem indicar problemas de saúde; tem a habilidade de dar um passo atrás e rever seu diagnóstico quando o quadro não evolui conforme esperado; adapta tratamentos considerando a qualidade de vida do animal, os contextos familiar e regional (como exemplo temos o desabastecimento atual do medicamento anticrise Gardenal no Brasil); oferece suporte emocional tanto ao cão quanto ao tutor. E não pense que esse último fator não é importante! Você se lembra de já ter reclamado de algum médico que nem ao menos tocou em você durante a consulta? Pois é! Provavelmente o que nos fará insubstituíveis será justamente esse ponto: a empatia.
Quando algo dá errado no tratamento, a diferença entre IA e veterinário torna-se abismal. Enquanto profissionais registrados podem responder perante os Conselhos Regionais ou podem ser acionados judicialmente, os desenvolvedores de aplicativos muitas vezes se protegem através de termos de uso complexos e de legislações vagas ou inexistentes para esses casos. Erros em algoritmos de dosagem já ocorreram na medicina humana. Ou seja: o risco existe também na medicina veterinária.
A solução não está em rejeitar a tecnologia, mas em usá-la com sabedoria. Os melhores resultados ocorrem quando: as decisões de tratamento são tomadas pelo veterinário em conjunto com a família; a IA é utilizada como ferramenta auxiliar; todo o raciocínio diagnóstico é validado por exames físicos e complementares; os dados sensíveis são protegidos em sistemas seguros.
Cuidar de uma vida requer muito mais do que algoritmos – exige humanidade, conhecimento e responsabilidade. Enquanto a IA pode ser uma ferramenta valiosa, ela não substitui o olhar atento, a experiência, empatia e comprometimento de um bom veterinário.
Faz sentido pra você?
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